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Países imaginários, um dos materiais apresentados nesta exposição virtual "Aterracéus", é um trabalho sonoro fruto da parceria entre Gustavo Torrezan e Inés Terra.

É um desdobramento do projeto “convenção mundial dos países imaginários” que intenciona fomentar a imaginação política desejante de um outro futuro de mundo a partir das discussões e conflitos existentes na atualidade. Foi engendrado a distância entre março e abril de 2020 durante o isolamento voluntário para prevenção da pandemia provocada pelo vírus COVID-19.

 

Nele é utilizado parte do material gerado em 2019 durante a residência artística no Ja.Ca - Centro de Arte e Tecnologia, quando Gustavo Torrezan realizou na Escola Municipal Benvinda o projeto "Convenção mundial dos países imaginários" com estudantes do território, alguns deles afetados pelos crimes ambientais das mineradoras em Minas Gerais.

Os estudantes criaram partituras visuais que serviram de base para as diferentes musicas que compõem o disco.

 

Ficha técnica do trabalho países imaginários: 
Criação, concepção e capa: Gustavo Torrezan.
Vozes, guitar-kazoo, flauta de embolo, berimbau de boca: Inés Terra.
Criação, gravação e mixagem: Inés Terra.
Masterização: Aquiles Guimarães.
Partituras visuais: 0:00 I - Geovana Pereira Gomes; 2:14 II - Thaeme Aparecida Meireles Santos; 3:45 III - Julia Nataly Dutra Gomes; 5:10 IV - Isabella Menezes Oliveira; 8:08 V - Laura Oliveira; 15:07 VI - Nayara Da Silva Freitas de Melo; 17:00 VII - Enzo Ferraz Santos; 19:07 VIII - Nicolas Monteiro Behring de Oliveira; 19:46 IX - Isac Figueiredo Santana; 22:52 X - Mariana Mol.

 

Abaixo está uma breve entrevista com Inês Terra para conhecer um pouco mais sobre sua perspectiva na criação e participação na realização do disco "países imaginários".
Para conhecer mais sobre o trabalho de Inés Terra acesse < http://cargocollective.com/inesterra >

1) Quem é Inés Terra? Conte um pouco sobre sua história, formação e atuação?


Sou argentina/brasileira, musicista, performer e investigadora de vozes. Sou formada em música popular no IA da Unicamp e mestre em Processos de Criação Musical na Eca, Usp. O meu trabalho transita entre a música, a performance, a arte sonora e o audiovisual. Trabalho entre linguagens por meio da exploração vocal como atravessamento nos processos de criação. Idealizei a série de performance vocal Língua Fora e o curso Esculpir a Voz. Fui artista orientadora do Programa Vocacional da Secretaria de Cultura de São Paulo durante três anos, e colaboro com diferentes projetos e artistas.

 

2) Como foi para você criar o trabalho "países imaginários"? Quais as questões que despertaram a partir da sua criação?

 

Países Imaginários foi um grande desafio e uma experiência imersiva. O trabalho realizado pelo Gustavo junto com xs estudantes gerou muito material. Foi difícil escolher só alguns desenhos, porque todos tinham algo que podia ser interessante para traduzir em som. Embora os desenhos foram a base para a criação das músicas, também olhei para outros materiais do projeto, incluindo as roupas, vídeos delxs falando nas línguas inventadas, e outros desenhos de animais imaginários. Procurei entrar na proposta o mais a fundo possível para que o processo de criação fosse ligado à experiência realizada por elxs com o Gustavo. Algumas questões que surgiram foram: De que maneira posso entender cada imaginário apresentado a partir da minha experiência com som? Qual é a potência do encontro entre xs estudantes na junção dos traços dos desenhos e no que é dito através das vozes e paisagens?

 


3) O que te conduziu ou quais foram as intenções ao ler as partituras visuais dos estudantes?


Para cada partitura houve um caminho específico. No geral, partituras gráficas podem ser interpretadas de várias maneiras. Embora exista um leque imenso de tipos (incluindo algumas que combinam notação tradicional com desenhos e palavras), há uma abertura maior para o que é produzido a partir delas.
Algumas partituras foram interpretadas mais como paisagens em que reconheci diferentes personagens (vento, pássaros, animais imaginários); para outras criei um som para cada código apresentado, assim como aconteceria com uma partitura mais tradicional, como decifrando uma nova linguagem. Algumas partituras sugeriam camadas, interferências e línguas intentadas. Considerei a repetição e a circularidade de algumas imagens para criar certas melodias e ruídos sobrepostos. A partitura visual de Mariana Moi era a única que tinha letra. Quando vi isso, me interessou imediatamente. Porque acredito que sempre que alguém foge da regra ou padrão há algo importante sendo dito. Nesse caso utilizei as palavras que entendi e criei uma canção atravessada por paisagens sonoras. Essa última surgiu como uma espécie de hino da chuva. A mais longa foi a música cinco, com partitura de Laura Oliveira. Nela vi o movimento do rio. Escutei profundidade e camadas, movimento que não é necessariamente tão explícito quanto o do mar, mas que é igualmente consistente e visceral. É uma música de sete minutos na que utilizo a palavra rio, dita em espanhol e em português, e processo as vozes no computador, criando contrapontos e interferências entre estes.

 

4) Qual a relação do trabalho "países imaginários" com seus outros trabalhos?


Tem uma relação direta, porque criei tudo a partir das vozes, instrumentos muito simples que filtram as vozes, e sopros: arpa de boca, flauta de embolo e guitar-kazzoo (instrumento que o músico e pesquisador Stê Biazón criou e me deu), e porque tem essa intersecção do som com as imagens. Tenho pensado som a partir de poesias, de imagens, a partir do movimento do corpo, a partir de questões de gênero, entre outros. No meu trabalho como artista e professora utilizo o estudo de partituras gráficas como um modo de escrever trabalhos sonoros que não se enquadram em modos mais tradicionais de escrita de música.

 

5) Como você vê a divulgação do trabalho por internet e qual a relação que você estabelece entre a arte e a educação, seja a educação formal ou seja a não formal?


Internet é um buraco sem fundo ou um buraco com um fundo monetário, como qualquer coisa produzida no sistema que conhecemos. Nunca sabemos onde vão para as coisas que soltamos por lá. Ou sabemos, e nos acostumamos com isso. Nossos dados são utilizados diariamente para fazer a roda do dinheiro circular. As principais empresas que lucram com a pandemia são plataformas e veículos de internet. No entanto, acredito que a internet é um meio importante para professorxs de escola e universitários, e também para arte educadorxs. Mas principalmente gostaria que esse trabalho chegue nos ouvidos de quem criou os desenhos. Acho isso muito potente. Você participar de uma experiência de artes visuais e ver seu desenho virar som. Neles todos o som era sugerido. Os sentidos não estão separados, embora institucionalmente, no aprendizado das artes acabemos separando a percepção. A potência desse trabalho talvez seja criar uns cadernos com os desenhos e fazer experiências de escuta olhando para as partituras visuais. Propor realizar desenhos enquanto se escuta o álbum e propor criar outros sons para esses desenhos. Existem muitas possibilidades que precisam ser pensadas de acordo ao contexto e ao interesse do grupo.
Por outro lado, enquanto estivermos nessa situação em que aglomerar é um grande risco para a saúde da população, a educação fica limitada a quem tem internet. Quero dizer, é como se tivesse sido privatizada. Internet hoje devia ser gratuita, porque do contrário acabou a educação pública, formal ou não.

 

6) O que é para você mediação?


Talvez a minha experiência mais próxima seja como artista orientadora do Programa Vocacional, um encontro entre artistas de diferentes regiões da cidade de São Paulo. Não se trata de um conteúdo específico para você passar e reproduzir, mas o intuito é possibilitar encontros e acolher interesses, gerando propostas que possam expandir o desejo e a reflexão artística da turma ou grupo. Tudo acontece a partir da escuta e da conversa. É evidente que eu carrego comigo um modo de trabalhar com música e som, mas ele muda muito a partir de cada experiência com artistas e participantes dos cursos que dou. Entendo que mediação tem a ver com facilitar experiências, fricções, debates, processos de criação. Nessas experiências é preciso ser permeável, mostrar fragilidade, e ativar desejos múltiples.

 


7) O que é para você um refúgio (pensando que o nome do congresso é "currículos, refúgios e restos: imagens apreendentes e media-ação")?

 

Difícil pensar em refúgio hoje, em que o mais seguro é ficar em casa, para não transmitir e não contagiar o COVID-19. Muita gente não tem onde se isolar e/ou deve continuar saindo todo dia. Ao mesmo tempo, a exaltação da vida privada atrofia a possibilidade de empatia social, e limita a nossa percepção. Refúgio é sempre algo em relação.
A palavra resto me interessa. Acho que tem a ver com o nosso lugar como artistas sudamericanxs. Estamos sempre lidando com resto, reutilização, ressignificação. Os currículos precisam ser permeáveis à realidade, e com isso, interdisciplinares. É importante ter uma organização nos processos educativos e criativos, mas ela não pode significar a instauração de uma ordem para o silêncio e o apagamento.

Contato Inés Terra:

inesterrabrandes@gmail.com

http://cargocollective.com/inesterra

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